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Blecaute.

Seu desejo imediato era apenas um. Precisava de horas de luz, que a noite findasse naquele exato instante levando consigo seus medos e a imagem de seu pai....

EncontrAR-TE.

É que desde tenra idade ela funcionava assim... como uma parabólica. Sentia coisas que podiam vir de muito longe...

Pra bem longe do fim....

Ele poderia enchê-la de luz, retirá-la da dor sombria que envolvia sua alma...

Espelhos

Uniram-se atraídos pela vaidade e necessidade de reencontrarem parte de si mesmos...

O desnudar-se cafajeste

Tudo convergia para a crença de que aquele dia seria apenas mais um como todos os outros...

26 de abr. de 2012

Parte 7 - Traição. A dor em fuga!

Por meses o silêncio deslizou pelos cantos das paredes como poeira em dias de ventania e janelas abertas, rompido apenas pelas batidas do relógio na parede. Assim também o coração de Miranda, que vagava repetidas vezes pela casa deixando cada coisa em seu lugar. Dias infinitamente longos, suplantados pelo entorpecimento do sentimento de vazio refletido em seu olhar. Possuía a exata noção sobre a importância de reagir e a hora que não era chegada, necessitando vivenciar cada segundo do luto que a atravessou.

O cenário angustiante, acrescido aos tormentos da culpa, também envolviam Fred, que, diferentemente da esposa, reagia cuidando de si. Empenhava-se na busca por um corpo perfeito, e no trabalho vivia sua melhor fase. Isolava-se em suas conquistas, afastando-se paulatinamente da companheira que, do seu ponto de vista, apreciava a dor, entregando-se ao escuro e abandono de si mesma. O corpo dela era inexpressivo, inodoro, opaco e antes que pudesse ser contaminado, agarrou-se à vaidade como recurso para a sobrevivência, seguindo em frente.

Foi em meados de novembro daquele mesmo ano que ele reencontrou uma antiga conhecida. Nos tempos de faculdade um interesse de parte a parte os envolvia e, independente disso, a opção por permanecer em outra relação calou fundo. Reprimiu seus desejos sem pensar muito sobre isso, e sem imaginar que ali, naquele momento, ela estava mais viva dentro dele do que realmente gostaria. Alegres e descontraídos, como nos velhos tempos, atualizaram-se sobre suas vidas, passando um sobre o outro, olhares ternos e famintos.

Falas quase sem pausa atropelavam-se na tentativa desesperada de absorverem-se, interrompidas apenas por sorrisos em harmonia com um leve baixar de cabeça e olhar suspenso. Mãos a ajeitarem os próprios cabelos também deslizavam pelo queixo ou pela borda do copo, pintando um quadro sutil e suavemente sedutor onde, a cada minuto, esqueciam-se do que haviam deixado fora dali.

As pessoas em volta, a luminosidade e a música não interferiam naquela embriaguez egóica. O estômago vibrava, revirava, e a doce sensação de retomada da juventude (e tudo que ela representava) era prazeroso demais para se deixar escapar. Talvez fosse a única oportunidade que ambos teriam para se sentirem novamente visíveis para alguém. E se permitiram viver aquele instante, que favorecia a confirmação do valor que cada um necessitava acreditar possuir. 


Ana Virgínia Almeida Queiroz


Para entender a história, acompanhe a sequência dos contos:






10 de abr. de 2012

Parte 6 - Um sociopata na família

Um dia ensolarado e a certeza de vê-lo descer a rua com seu gingado compassado como na gafieira, evidenciando um ar despreocupado. Fios de cabelo negros caíam jogados sobre o rosto, cobrindo as vastas sobrancelhas. A fisionomia assemelhava-se a uma pintura, e o sorriso largo era o passaporte para tudo o que almejava. Ombros, braços e mãos grandiosos findavam qualquer sensação de fragilidade feminina. Fala bonita, gestos harmônicos, olhar amendoado e um cheiro masculino entorpecedor eram capazes de dominar o mundo.

Era um conquistador, manipulador, afetuoso, irascível. Características que se manifestavam ao sabor de seus interesses e frustrações. Não possuía freios e perseguia obstinadamente seus objetivos. Inteligente, culto e sagaz, percebia o odor carente que exalava das mulheres e, de forma sutil, destilava toda sua sensualidade.

Casadas ou solteiras, de nada importava. Era simplesmente um predador. Saboreava presa por presa, até se saciar. Tomava-as física, emocional e financeiramente. Conseguia proporcionar em suas vítimas sensações de prazer desconhecido e desbravar lugares inimagináveis em suas almas e corpos, enquanto elas desmanchavam-se em seus braços, desfazendo-se de suas defesas. Desprovidas de suas razões e viradas pelo avesso, se desprendiam de tudo o que tinham, sendo, em breve tempo, abandonadas ao próprio vazio.

Jairo vivia dessas conquistas, matando, aqui e ali, a alegria e a saúde de outras pessoas. Tal conduta nunca o atormentara. Os outros representavam peças em um tabuleiro onde ele gostava de se refestelar. Arquitetava estratégias e gostava de perceber os resultados de suas manobras no emocional daqueles que se envolviam com ele. Para dona Cecília, o primogênito era indefeso e tivera menos sorte que os gêmeos. Divorciado e desempregado, tinha somente a ela. Colocava-se entre os irmãos e a mãe, divertindo-se com o fato. Em contrapartida, ninguém tinha seu apoio e quase todos cediam aos seus encantos. Menos Théo!

A lucidez sobre sua impotência em lidar com Jairo o mantinha distante fisicamente, muito embora os apelos obscuros da dinâmica familiar fossem muito mais fortes do que sua vontade de nunca ter nascido naquele antro. Os investimentos afetivos destinados à mãe e à irmã, sempre desviados, e a certeza de estar cumprindo sua função de filho são fatos que nunca o tranquilizaram. Sentia-se oprimido, sufocado, injustiçado e abusado! Lutava bravamente contra as sensações que poderiam aniquilá-lo como homem, enquanto Elisa era uma marionete nas mãos do casal. Faziam joguetes, trocadilhos, e usavam de linguagem paradoxal que desde tenra idade a confundiam, tecendo uma mulher insegura sobre a própria imagem.


Ana Virgínia Almeida Queiroz


Entenda a história acompanhando a sequência dos contos.





2 de abr. de 2012

Parte 5 - A festa de Elisa


Seria aquele momento a comemoração de seu próprio aniversário se não fosse por um pequeno detalhe: a data! Trajava um belo vestido de tecido esvoaçante, estampas pastéis que permitiam um vislumbre sutil de suas delicadas curvas. Nos longos cachos, uma flor e um perfume suave escolhido cuidadosamente. Unhas feitas e um belo salto. Descia as escadas como rainha, causando perplexidade nos que estavam abaixo dela.

Théo ajeitou-se no sofá para melhor perceber a irmã, mas foi Jairo quem tomou a iniciativa de ir ao encontro de Elisa e dar-lhe a mão para descer os últimos degraus. Pedro, no outro canto da sala, sorria irônico e Dona Cecília, a homenageada da noite, não esboçou nenhuma reação. As filhas transbordavam de alegria com a beleza imponente da mãe.

Seu encanto vinha de dentro. A realização em ver toda a família reunida era indescritível. Aquele não era o momento para problemas. Com esmero, cuidou pessoalmente de cada detalhe da recepção familiar e ainda conseguiu se organizar para si mesma. Sua casa estava linda e também suas filhas. O cardápio perfeito abrangia o paladar de todos os presentes. Ela, como ninguém naquele recinto, gostava de receber as pessoas e sabia como fazê-lo bem.

Lamentou momentaneamente a ausência do pai, e logo esqueceu. Seu irmão Théo estava lá e isso era o que verdadeiramente importava, era seu apoio e representava competência. Jairo era a beleza, a inteligência e a força física. Nutria pelos irmãos admiração, paixão, ciúme e sentia uma leve tendência à completude, não fossem as limitações na relação com ambos. Théo era muito fechado, não lhe dava espaço para falar de angústias ou alegrias, mas seu olhar abrandava sua alma sempre que estava por perto. Jairo, sedutor, lhe fazia sorrir sempre, encarava a vida com bom humor, mas algo acontecia que a deixava insegura nessa relação. Ela não atentava para esse fato de forma consciente, o que ocorria, de tempos em tempos, levando para longe seu irmão mais velho.

Uma distância afetiva, por força da qual, de repente, ele se trancava e junto à mãe a fazia chorar. Nesses momentos sentia falta de Théo e de tudo o que poderia ter feito para, como ele, não precisar de ninguém, ser livre, elegante e importante. Só na imagem do gêmeo sentia força, nem o pai lhe trazia tal referência. Naquela noite, Jairo estava como ela apreciava: encantador! Tecia-lhe os melhores elogios, tratando-a como fidalga, mais galanteador como gostaria que fosse o seu próprio marido. Cercada por homens e invejada pela mulher que, apesar de todo o amor incondicional, sempre competiu com Elisa, assistiu o passar dos anos imersa em uma amálgama de sentimentos e incertezas sobre sua própria imagem e capacidade de ser amada.

Só mesmo a proximidade de Théo motivava a fluidez feminina e também a competição com a própria genitora pelo amor de Jairo. Pedro era coadjuvante e sua função era alimentar a máscara de vítima para toda a família. Assim como a maioria das mulheres daquele sistema, se tornar mártir era uma honra, nem que para isso precisassem elas próprias destruírem umas as outras. Não tardou muito para que Elisa murchasse e seu brilho apagasse frente à acidez materna, o destino era a pia do banheiro e um espelho para limpar a maquiagem que se desfazia como a falsa e momentânea autoestima.


Ana Virgínia Almeida Queiroz

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