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10 de abr. de 2012

Parte 6 - Um sociopata na família

Um dia ensolarado e a certeza de vê-lo descer a rua com seu gingado compassado como na gafieira, evidenciando um ar despreocupado. Fios de cabelo negros caíam jogados sobre o rosto, cobrindo as vastas sobrancelhas. A fisionomia assemelhava-se a uma pintura, e o sorriso largo era o passaporte para tudo o que almejava. Ombros, braços e mãos grandiosos findavam qualquer sensação de fragilidade feminina. Fala bonita, gestos harmônicos, olhar amendoado e um cheiro masculino entorpecedor eram capazes de dominar o mundo.

Era um conquistador, manipulador, afetuoso, irascível. Características que se manifestavam ao sabor de seus interesses e frustrações. Não possuía freios e perseguia obstinadamente seus objetivos. Inteligente, culto e sagaz, percebia o odor carente que exalava das mulheres e, de forma sutil, destilava toda sua sensualidade.

Casadas ou solteiras, de nada importava. Era simplesmente um predador. Saboreava presa por presa, até se saciar. Tomava-as física, emocional e financeiramente. Conseguia proporcionar em suas vítimas sensações de prazer desconhecido e desbravar lugares inimagináveis em suas almas e corpos, enquanto elas desmanchavam-se em seus braços, desfazendo-se de suas defesas. Desprovidas de suas razões e viradas pelo avesso, se desprendiam de tudo o que tinham, sendo, em breve tempo, abandonadas ao próprio vazio.

Jairo vivia dessas conquistas, matando, aqui e ali, a alegria e a saúde de outras pessoas. Tal conduta nunca o atormentara. Os outros representavam peças em um tabuleiro onde ele gostava de se refestelar. Arquitetava estratégias e gostava de perceber os resultados de suas manobras no emocional daqueles que se envolviam com ele. Para dona Cecília, o primogênito era indefeso e tivera menos sorte que os gêmeos. Divorciado e desempregado, tinha somente a ela. Colocava-se entre os irmãos e a mãe, divertindo-se com o fato. Em contrapartida, ninguém tinha seu apoio e quase todos cediam aos seus encantos. Menos Théo!

A lucidez sobre sua impotência em lidar com Jairo o mantinha distante fisicamente, muito embora os apelos obscuros da dinâmica familiar fossem muito mais fortes do que sua vontade de nunca ter nascido naquele antro. Os investimentos afetivos destinados à mãe e à irmã, sempre desviados, e a certeza de estar cumprindo sua função de filho são fatos que nunca o tranquilizaram. Sentia-se oprimido, sufocado, injustiçado e abusado! Lutava bravamente contra as sensações que poderiam aniquilá-lo como homem, enquanto Elisa era uma marionete nas mãos do casal. Faziam joguetes, trocadilhos, e usavam de linguagem paradoxal que desde tenra idade a confundiam, tecendo uma mulher insegura sobre a própria imagem.


Ana Virgínia Almeida Queiroz


Entenda a história acompanhando a sequência dos contos.





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