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2 de mai. de 2012

Parte 8 - Ruínas

No parquinho, dezenas de crianças corriam agitadas a interagir, sorridentes, na disputa pelos brinquedos, no reconhecimento dos adultos por seus talentos e suas destrezas. Para ela, o que verdadeiramente importava era um canto na areia, um balde com um pouco de água e algumas folhas e flores. Esculpia cuidadosamente seu castelo, elaborado, a cada dia, ao sabor dos sentimentos que a impulsionavam de forma padronizada à repetição do ritual arquitetônico.

Sentava-se de banda, o corpo apoiado na mão direita, enquanto a outra seguia, harmonicamente, o olhar, em busca de detalhes que compunham a perfeição da obra. Não ouvia nada. Dias iluminados, aquecidos em comunhão com a leveza das folhagens e dos dourados cabelos, que se punham a dançar motivados pela suave brisa.

 
Ali, internamente, a solidão também se moldava, transformava, crescia em torres e pilotis, se manifestando delicadamente ao deslizar de cada punhado de areia através dos pequenos dedos. Um chamado e tudo ficaria para trás. Um breve adeus e a certeza de que, o que fora deixado jamais seria reencontrado, mas poderia ser reconstruído e novamente abandonado.

Nada era para sempre. Nem os castelos, tampouco a presença de seu pai, que embora a tratasse como boneca não preenchia suas necessidades mais íntimas, se afastando de sua convivência ainda pequena. Miranda era a mais nova dos três filhos, e permaneceu no seio familiar presenciando as conquistas dos irmãos e o desbravar do mundo por eles. A cada despedida, novas estruturas se elevavam dentro dela e se refletiam no esmero de suas confecções, reeditadas em quase todas as relações.

Ao casar-se experimentou, pela primeira vez, a sensação daquele que abandona. Perdeu-se entre as sensações de ambivalência e culpa, mas não podia voltar. Aquele castelo não fora construído por ela e ficaria para trás como tantos outros que se dissolveram ao sabor do vento ou de outras mãos. Sua vida se resumia a isso: construções e implosões que se repetiam, favorecendo uma constante e aparentemente indestrutível desconfiança sobre a natureza duradoura e verdadeira do amor.

Movida pelas defesas que sustentavam sua base, convenceu-se de que um "não sei o quê" divino a punia, como um pai severo e educador inflexível. Queria entender o pecado que cometera e, como não obtinha respostas, sucumbia aos castigos. A morte do filho iniciara um novo olhar sobre esse insistente e egóico viver infantil. Precisava crescer, mas as prisões emocionais não colaboravam.

A par da obviedade, começava a descortinar a possibilidade de mobilizar dentro de si energias antes desconhecidas, estranhas, e simultaneamente ameaçadoras e libertárias, capazes de promover a indispensável ruptura com aquela condição psíquica à qual se agrilhoara em seu templo interno abandonado, tantas vezes construído e demolido. Antes, porém, precisava vivenciar o luto que representava o saldar de todas as etapas anteriores de sua existência.


Ana Virgínia Almeida Queiroz


Para entender a história, acompanhe a sequência dos contos:


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