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4 de fev. de 2013

Temporada 2 - Parte 1 - Blecaute


Entrou em seu quarto, trancou a porta, fechou a janela. Dirigiu-se para o armário e desesperadamente procurou o pijama de flanela. Seu pequeno coração disparava a cada gaveta revolvida sem sucesso. Foi quando lembrou-se de sua mãe bronqueando por ela usar roupa tão pesada em clima de tanto calor.



Recordou o dia em que viu, pela primeira vez, uma pessoa morta em um caixão e desejou fervorosamente que seu dia chegasse. Suspirou profundamente, pegou alguns lençóis e cobertores... Esticou-os sobre a cama. Encontrou sob o travesseiro uma fina e curta camisola... sentiu um nó apertando-lhe a garganta. Parou alguns instantes, olhou em volta e catou alguns brinquedos barulhentos. Seu coração permanecia inquieto, seu raciocínio era rápido, seus lábios eram pressionados e mordidos enquanto executava suas ideias, numa tentativa de não deixar escapar nenhum detalhe que sua mente ia lhe enviando como solução para seus medos.




Distribuiu os brinquedos no chão ao redor da cama e enfiou as sobras dos lençóis e cobertores embaixo das laterais do colchão. Vestiu a roupa de dormir, destrancou a porta, apagou a luz e correu em disparada para a cama, entrando com dificuldade pela única abertura possível deixada nas roupas de cama cuidadosamente retesadas, à semelhança de finas, porém firmes, chapas de fórmica, simbolicamente esticadas para defesa de sua integridade.

Do seu leito ainda podia ouvir o barulho na casa e o som da televisão; porque estivesse muito cansada, adormeceu. Sua mente, não raro inquieta, impedia-lhe de aprofundar o sono. Quadros confusos e conflitantes iam se projetando em uma tela preta, deixando reminiscências no corpo físico a cada manhã. Seu adormecer era habitualmente interrompido pelo silêncio sepulcral da escura madrugada. Entorpecida pelo cansaço físico e mental, ainda lhe restava um quê de lucidez que lhe permitia perceber a movimentação angustiante no corredor que conduzia aos dormitórios. Passos transitavam vagarosamente em direção ao seu quarto.

E ali, deitada, conseguia ouvir a respiração de sua mãe que se deleitava em sono profundo. Apertou os olhinhos, cerrou a mandíbula, o coração acelerou, encolheu-se e uma lágrima desceu acidamente pelo canto do olho mais próximo ao travesseiro. Virou-se para o lado da cama que ficava voltado para a porta; certificou-se de que os brinquedos permaneciam ali; ajeitou os panos; frustrou-se ao fingir-se de morta, pois seu coração teimava em bater na garganta, lembrando-lhe sobre o fato de estar viva.

Uma sensação de solidão absoluta percorria-lhe os sentidos. Queria gritar, deixar então que o coração saltasse da boca e corresse em disparada pela rua em fuga. Mas tudo o que lhe restava era o encolhimento enquanto uma sombra humana crescia em sua porta e sua mãe dormia no quarto ao lado. Seu desejo imediato era apenas um. Precisava de horas de luz, que a noite findasse naquele exato instante levando consigo seus medos e a imagem de seu pai.

Ana Virgínia Almeida Queiroz - CRP: 01-7250


2 comentários:

**** amei e espero ter uma maneira de ler os outros e seguir,pois este conto é de uma realidade de arrepiar ,gostei **** azul 2013

A cada paragrafo meu coração acelerava, como se sentisse o pavor, o medo dessa criança.
Belo texto amiga, que ele consiga realmente tocar em cada coração de mãe....mães que não olham pelos seus filhos, que não percebem o que se passa do outro lado da parede.
Parabéns!!

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