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5 de mar. de 2012

Parte 1 - Pra bem longe do fim...

As folhas começavam a cobrir o chão, o calor insuportável destacava a plenitude do céu azulado de poucas, mas fofas, nuvens. Cenário perfeito para as fantasias infantis, não fosse a hostilidade tempestuosa daquela capela. 

Sentada em uma cadeira, cotovelos apoiados nos joelhos, mãos cobrindo o rosto, cabelos desgrenhados e oleosos. Trajava uma calça que não combinava com a blusa e um chinelo. Nem de longe era aquela que Théo conhecera há pouco mais de vinte anos. Em volta dela as pessoas iam se agrupando desordenadamente na tentativa de consolar um mínimo possível. 

A perda era irreparável e ele sabia disso; a luta fora inglória. De tempos em tempos ela retirava as mãos do rosto e ainda de olhos fechados fazia sinal de que estava ouvindo as pessoas. No canto da capela, ele alternava seu olhar em direção a ela e à caixa de madeira envernizada; o cheiro das flores o incomodavam.

Das pessoas que ali estavam conhecia algumas, os pais e irmãos dela, o que não era suficiente para se sentir à vontade. Questionava-se então sobre a real finalidade de estar ali. Ao lado dela, o esposo pálido, olhos vermelhos de tanto chorar, tinha nas mãos um tremor incansável. Dela, o movimento repetitivo era o balançar do tronco revolvendo uma dor dilacerante.

Deveria ele dar-lhe colo ou sentir-se culpado? Foram anos de paixão intensa, de promessas e planos. Acreditavam verdadeiramente naquilo que sentiam. Mesmo assim ele partiu, e seu castigo foi o de nunca mais conseguir sentir nada parecido por ninguém. Nunca parou de pensar nela; a cada minuto de saudade era capaz de sentir a seda de seus cabelos correndo entre seus dedos e a pele clara e rosada de sua face. O cheiro de lavanda eternizara-se em sua memória. As lembranças dela o auxiliavam na sobrevida afetiva, buscando aqui e ali, em outras mulheres, a mesma sensação de completude que naufragava a cada aventura. 

Sentiu vontade de voltar inúmeras vezes, envolvia-se em outros projetos, enganando a si mesmo sobre sua importância, construída na falsa imagem de fortaleza e determinação. Agora estava ali, iludido de que aquele momento era oportuno para retomar as coisas de onde pararam. Talvez a dor a fizesse aceitá-lo de volta, ao menos como amigo, mas como seria isso possível se ela não enxergava ninguém à sua frente? 

Impacientava-se quando, em lapsos de lucidez, percebia seu egoísmo... Deveria tentar falar com ela? E se ela não o aceitasse? E aceitando ele poderia enchê-la de luz, retirá-la da dor sombria que envolvia sua alma. Encheria seu útero de vida e lhe devolveria o amor perdido. Lavaria seus cabelos, hidrataria sua pele, cobriria seu corpo com lençois de algodão. Seus olhos umedeceram e ela continuava alheia a sua presença. Recostou-se na parede, suas pernas enfraqueciam, suou frio, estava sendo tomado por aquele sentimento coletivo. O celular toca, era do escritório, saiu para atender, entrou no carro e partiu. 

Quatro quarteirões adiante, parou em uma lanchonete. Sentou-se a observar as folhas cobrindo o chão, sob um céu azulado de poucas, mas fofas, nuvens. 

- Que calor! 
- Deseja pedir alguma coisa senhor? 
- Uma manga... com casca por gentileza. 

E nunca mais voltou.


Ana Virgínia Almeida Queiroz

O conto continua.
2. Mãe para quase todos



5 comentários:

Manga... deveria ter pedido "com casca e verde"; talvez definisse melhor o "jiló" da vida que levava. Acho que a decisão dele, de nunca mais voltar, foi a mais acertada. No caso daquela que "não enxergava ninguém à sua frente", duvido muito que a presença dele não tenha lhe causado algum "estremecimento interior", por mais que a situação fosse difícil. Merece o título de "conto psicológico"...

Poxa, Ana!! Foi difícil entender... confusão... só depois de uma dica de uma amiga é que entendi quem morreu.... "Encheria seu útero de vida e lhe devolveria o amor perdido". Sensacional!!!!

Fabiana e Cesar, obrigada pelos comentários!
Procurem observar como se sentem ao ler os textos. Essas sensações falam muito sobre os personagens e como os mesmos lidam emocionalmente com as situações que serão apresentadas semana a semana. Outros contos serão escritos, novas persnolidades que irão se encontrando e desenvolvendo um história tão real quanto as nossas vidas.Grande abraço! Ana Virgínia

Adorei o texto e o visual do blog como um todo! Parabéns!

Beijinho

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